A criação do Museu Municipal está indissociavelmente ligada, na sua génese mais remota, ao Círculo de Cultura de Carregal do Sal, protagonizado, nos inícios dos anos sessenta do século XX, pela prestigiada figura de Luís de Almeida Melo, com o apoio de diversas personalidades e elites culturais locais e estudantes do antigo colégio Nuno Álvares, na altura existente neste Concelho.
Assim, teria sido no âmbito das atividades desenvolvidas por aquele Círculo, designadamente pelas realizadas conferências sobre literatura, história, pintura, música e teatro, que Luís de Melo, no apogeu do seu espírito dinamizador, viria a ambicionar criar uma galeria de arte moderna. Passando da ideia à ação, como era caraterístico da sua personalidade, escreveu a todos os pintores seus conhecidos na época, com o intuito de vir a reunir obras de arte para a concretização do sonho que idealizara. Como consequência dessas diligências, a pintora Maria Helena Vieira da Silva, a viver então em Paris, não hesitou em aderir àquela iniciativa cultural enviando duas gravuras, conseguindo posteriormente, através de contactos, que vários jovens artistas lhe seguissem o exemplo. Tratava-se de um grupo internacionalizado que havia tomado os caminhos da emigração, vindo a batizar-se, em Paris, com a designação de «KWY» (letras ausentes do alfabeto português que eram ironicamente desdobradas em Ká Wamos Yindo).
Com este gesto sublime da pintora Vieira da Silva iniciava-se o gérmen deste jovem museu autárquico, dado que a resposta a Luís de Almeida Melo, não podia ser mais afável: Caro Senhor gostei tanto da sua carta e da sua idea que não encontro palavras para lhe dizer mas a prova aqui vai. Muito grata. Vieira da Silva.
Por seu lado, Carlos Botelho, num gesto de simpatia e cordialidade, deixa escrita uma dedicatória no quadro que então enviara: Para o Museu de Carregal do Sal, ao qual desejo o maior êxito. 20 Agosto 60. Carlos Botelho.
Com efeito, é desta histórica ligação que o Círculo de Cultura viria, de forma cordial, a receber inúmeras obras para a futura galeria de arte, nomeadamente dos pintores João Hogan, João Ayres, René Bertholo, Artur Bual, José Júlio, Lurdes de Castro, Vieira da Silva, Nuno de Siqueira e Marcelino Vespeira, Albertina Mântua, José Mouga, João Vieira, Maria Eugénia e Cândido Portinari, entre outros.
Porém, Luís de Melo vem a falecer prematuramente com 41 anos de idade, no verão de 1962. Esta infelicidade viria a ditar, nos anos seguintes, o desvanecimento do Círculo que, apesar de chegar ainda a ser formalizado com a aprovação dos seus estatutos em 1966, continuaria a não reunir condições para prosseguir os seus objetivos, não só por falta de instalações e meios financeiros, como também pelo facto de o grupo que o constituía se ter, na altura, disperso pelo país. Restou a dois dos seus membros, Dr. César Veloso, na altura professor primário, e Eduardo Silvestre do Amaral, depois de um longo e atribulado período de movimentação das coleções, entregar as mesmas à Câmara Municipal de Carregal do Sal, em 31 de Março de 1978, para que as referidas obras fossem preservadas e expostas no futuro museu do Município. Nesse sentido, o executivo camarário de então comprometia-se a disponibilizar instalações para albergar os quadros e atribuir à sala da sua exposição o nome de Luís de Almeida Melo, como derradeira forma de homenagear aquela ilustre personalidade.
Todavia, os últimos passos decisivos para a criação e formalização desta entidade museológica encontrámo-los na Ata da Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Carregal do Sal, realizada em 14 de Novembro de 1988, na qual se pode ler: O Senhor Presidente informou a Câmara de que finalmente estão concluídas as negociações para a aquisição do chamado “Solar Soares de Albergaria” para ali ser instalada a Biblioteca e Museu Municipal.
Tratando-se de um assunto de significativa relevância para o Município, que desejou concretizar um velho anseio de gerações, esta deliberação viria, após algum tempo, a constituir-se numa realidade inquestionável, com a formalização da escritura de compra daquele imóvel, aos 28 dias daquele mesmo mês.
Estavam, desta forma, criadas as condições para a instalação do Museu Municipal de Carregal do Sal, já há muito ambicionado pela Edilidade, por Associações e Grupos Culturais Locais e pela comunidade em geral, que passou a ver, nesta instituição, um fator de afirmação de identidade local, a promoção e o desenvolvimento turístico-cultural do Concelho e a projeção do seu acervo histórico-patrimonial.
Emergiam, assim, os fundamentos e os argumentos para o nascimento de um museu autárquico por terras de Entre o Dão e o Mondego, no Coração da Beira. Das referências atrás efetuadas, importa salientar que, apesar do aparecimento, até ao final da última centúria, dos restantes bens culturais, é com base na reunião dos quadros de pintura e no dinamismo do Círculo de Cultura de Carregal que deverá ser justificado o aparecimento de ideias tendentes à criação de uma galeria de arte e, mais tarde, à necessidade de arranjar um espaço condigno para albergar todas as coleções que haveriam de eclodir na fundação do atual museu.
Assim, como forma de homenagear o Dr. Luís de Almeida Melo, figura central da reunião desta coleção, foi atribuído, ao espaço da exposição permanente, a designação de Sala Luís de Almeida Melo. Por seu lado, reforçando esse laço carinhoso de ligação, entre o passado e o presente, transcreve-se um texto de Maria de Lurdes Melo equacionado com a visão histórica dos acontecimentos da época em que seu pai ideara uma Galeria de Arte Moderna em Carregal do Sal: Descentralizar a Cultura dos meios mais desenvolvidos da época (finais da década de 50), através de iniciativas pluridisciplinares e oferecê-las às populações rurais da Beira Interior. Criar infra-estruturas participadas por artistas, pensadores e críticos […]. Baseado neste pensamento vanguardista e até mesmo visionário, para a época, o então jovem advogado, Dr. Luís de Almeida Melo, idealiza assim um conjunto de iniciativas culturais, em Carregal do Sal, sendo o projecto de abertura de uma Pinacoteca em Carregal do Sal, composta por obras doadas por artistas modernos portugueses vivos, o mais emblemático para a época. Homem culto e muito pragmático, Luís de Almeida Melo inicia este projeto, escrevendo e contactando artistas plásticos, sensibilizando-os a aderirem ao seu projecto. Maria Helena Vieira da Silva foi a primeira a responder e a saudar o projecto, oferecendo de imediato duas obras suas. Posteriormente, ela mesma se empenha em contactar alguns, então jovens artistas plásticos portugueses radicados em Paris (entre outros: René Bertholo, João Vieira, Lurdes Castro) que de imediato oferecem obras suas. Enquanto isso, outros artistas a viver em Portugal, contactados por Luís de Almeida Melo, aderem à ideia: Arthur Bual, Júlio Resende, Mouga, Hogan.
Waldemar da Costa, professor e artista plástico, na época Adido Cultural da Embaixada do Brasil, torna-se um grande amigo de Luís de Almeida Melo, partilha entusiasticamente da ideia e oferece também uma obra sua. Mais tarde, oferece a Luís Melo e à sua família o seu retrato pintado por Portinari, datado de 1934, que o jovem advogado decide incluir no espólio da Pinacoteca, com o objetivo de o tornar cada vez mais rico. Waldemar da Costa inicia ainda contactos com pintores brasileiros através da imprensa de S. Paulo e de contactos pessoais. Luís de Almeida Melo chega mesmo a escrever a Picasso, Portinari e Moore. Embora existam registos dessas cartas não se sabe se as mesmas chegaram a ser enviadas. No caso da carta a Portinari, a mesma veio devolvida por o endereço ser insuficiente. Entre 1960 e 1961, Luís de Almeida Melo organiza três Exposições de Pintura, respetivamente no Colégio Nun’Álvares de Carregal do Sal, na Fundação Comendador José Nunes Martins em Oliveira do Conde e no Clube de Viseu, com as obras doadas até então, complementando-as com o seu espólio pessoal de Gravura. No apogeu de um amplo conjunto de iniciativas culturais (exposições, conferências, teatro), Luís de Almeida Melo morre em Agosto de 1962, aos 41 anos de idade, deixando a um grupo de amigos da terra a responsabilidade de as continuarem. Em 1966 é constituído juridicamente o Círculo de Cultura de Carregal do Sal, por iniciativa do Dr. César Veloso. No entanto, esta instituição, após algumas vicissitudes circunstanciais e históricas, não consegue dar seguimento ao projeto idealizado pelo seu mentor. O conjunto de obras, de valor incalculável, foram guardadas durante 43 anos, esperando espaço expositivo condigno para a sua exposição e conservação.
O Museu Municipal de Carregal do Sal chama a si a salvaguarda desta tão valiosa herança de Arte Moderna, concretizando, num belíssimo edifício, recuperado, e de genuína arquitetura beirã - o Solar das Correntes - o objetivo do seu mentor. Uma homenagem devida aos artistas representados, hoje grandes nomes da Pintura Moderna. Uma visita inesquecível espera, portanto, quem aqui quiser VER ARTE.
Luís de Almeida Melo, foi Conservador do Registo Civil e Notário de Carregal do Sal. Homem ilustre e de grande dinamismo continua, nos dias de hoje, a ser suficientemente lembrado na memória dos grupos etários mais idosos. Nasceu em Seia a 24 de Junho de 1921. Durante a sua juventude, ali frequentou o Colégio Dr. Simões Pereira, vindo, mais tarde, em 1947, a licenciar-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Ao longo da sua carreira de advocacia exerceu diversos cargos públicos tendo, em 1948, sido vice-presidente da Câmara Municipal de Seia e Provedor da respetiva Santa Casa da Misericórdia. Muito cedo viria a revelar-se como um artista sublime em xilografia e gravador em numerosas ilustrações, assim como colaborador em diversos jornais. Em finais da década de 1940, parte para Aguiar da Beira, onde veio a exercer o cargo de Conservador do Registo Civil, vindo, nos inícios dos anos cinquenta, para Carregal do Sal, prosseguir e consolidar o seu percurso profissional como notário e também como conservador do Registo Civil. Já por terras deste Município, e antagónico ao imobilismo, viria a ser, entre 1952-1955, presidente dos Bombeiros de Carregal do Sal, dinamizador do Clube de Futebol e Presidente da Fundação Comendador José Nunes Martins em Oliveira do Conde, de que foi o principal iniciador. Mas a figura do ilustre Dr. Luís de Almeida Melo não se restringiu aos cargos que dedicada e honrosamente desempenhara durante o curto trajeto da sua vida. Homem de ação e de incontornável dinamismo ultrapassou o comum perfil dos homens do seu tempo. A sua cultura e visão vanguardista do mundo permitiram, com a cordialidade e energia que o caracterizavam, reunir, nos inícios de 1960, a presente coleção de pintura moderna, altura em que ideara o seu projeto de criação de uma galeria de arte em terras de Carregal do Sal. Luís de Almeida Melo viria a falecer prematuramente aos 41 anos de idade, no dia 14 de Agosto de 1962. Constituindo um ato de elementar justiça e de profundo significado cultural e moral evocar a sua memória e obra, o Município de Carregal do Sal aqui lhe presta e dedica, neste espaço que é seu, a sua reconhecida e merecida homenagem.
Fontes bibliográficas:
«Roteiro do Museu Municipal de Carregal do Sal», Edição da Câmara Municipal de Carregal do Sal, Carregal do Sal. 2006
«O Museu Municipal Manuel Soares de Albergaria, Carregal do Sal, das Origens à sua formação, colecções, espaços, educação e património do Concelho». Edição da Câmara Municipal de Carregal do Sal, Carregal do Sal. 2007.